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sábado, 27 de abril de 2013

Um diretor de fotografia requisitado

Que viva Aloysio Raulino!
Aloysio Raulino não era apenas um trabalhador do cinema, como conta o filho Gustavo, o Guga. Era alguém que pensava sobre seu ofício. O cineasta foi um dos melhores fotógrafos na cinematografia brasileira (e paulistana).
Diretor de fotografia requisitado, ajudou a fundar a ABD (Associação Brasileira de Documentaristas) sendo seu primeiro presidente e presidiu também a Comissão Estadual de Cinema, como lembra a irmã Berenice que trabalhou como atriz no único longa do irmão, o "Noites Paraguaias" (1982). Este foi saudado lindamente pelo crítico Cid Nader numa resenha recente para a revista eletrônica "Zingu!" como um "filme que, já de cara, ganhava pontos por fugir da mesmice narrativa - uma facilitação utilizada por diretores iniciantes como muleta ante o medo de um primeiro tropeção -, no qual Raulino não teve medo de ousar esteticamente, para contar uma história que remete a um dos grandes dramas humanos: o homem do campo que foge da miséria para tentar uma nova oportunidade, fracassa (ou não se acostuma) e volta à origem".
Nascido no Rio, em 19 filho de um engenheiro militar e de uma professora, Aloysio morou em Volta Redonda e veio criança para São Paulo. Antes do cinema, foi revisor de traduções.
Formou-se nos anos setenta, na primeira turma de cinema da ECA-USP, onde, na década de noventa chegou a lecionar - a disciplina de fotografia - em meados dos anos 90 por um breve mas intenso período onde deixou a direção de fotografia de pelo menos dois trabalhos importantes no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão - "São Paulo, Sinfonia e Cacofonia" (1984), direção de Jean Claude Bernardet e "São Paulo, Cinema Cidade" (1967), de sua própria direção. Nesses trabalhos revelou espírito de envolvimento artístico extremo e habilidade técnica ao lidar com materiais provenientes de diferentes fontes de suporte técnicos e épocas. Lutou pela Lei do Curta, que exigia que as salas de cinema exibissem um curta brasileiro antes dos longas estrangeiros. Era de espírito libertário e criativo, generoso, sem reservas, diferente do que domina hoje no meio do audiovisual brasileiro. Fará falta, assim como faz Carlos Reichenbach - que, aliás, também chegou a lecionar no mesmo espaço por um mesmo breve - e intenso - período.
Muitos de seus alunos acabariam se tornando colegas de trabalho. Como o diretor Paulo Sacramento, com quem trabalhou em "O prisioneiro da Grade de Ferro" (2004). O filme tem boa parte das imagens captadas por presos. Aloysio organizou oficinas com os detentos do Carandiru para o projeto. De certa forma, é antítese e complemento à obra ficcional de Hector Babenco, esta baseada no livro de Dráuzio Varella.
Aloysio Raulino foi presença constante no cinema nacional, dirigiu um dos curtas "A Santa Ceia"do  corajoso  filme em episódios "Vozes do Medo" (1970) projeto coordenado pelo cineasta Roberto Santos (1928-1987). É um ensaio vanguardista sobre o sufoco durante a ditadura militar. Posteriormente dirigiu também vários outros curtas como "Jardim Nova Bahia" e "O Tigre e a Gazela". Escrevendo sobre "Jardim Nova Bahia" no clássico "Cineastas e Imagens do Povo", Jean-Claude Bernardet destacava como, naquele simples movimento, "o cineasta abdica de sua posição para o outro assumir". Essa renúncia, cúmplice e voluntária, repete-se, de forma espelhada, pelo essencial da carreira de Raulino, ao empunhar ele a câmera para outros cineastas. Talvez nenhum outro gesto simbolize melhor a arte de Aloysio Raulino.  Um documentário notável que também dirigiu é "Porto de Santos", em que o clima do cais é traduzido perfeitamente no registro fotográfico. Sua obra documental em curta-metragem ("Jardim Nova Bahia"; "O Tigre e a Gazela"; "Teremos Infância"; "Porto de Santos") é marcada pela experimentação formal e pelo foco sobre os excluídos, desenvolvendo um registro que o mesmo Jean-Claude afirma como sendo o pioneiro em saudar como de ruptura com o modelo sociológico tradicional do cinema não ficcional brasileiro.  Para muitos críticos, mesmo quando um filme não era tão bom, ao menos valia a pena se tivesse a fotografia a cargo de Raulino. Era requisitado pelo diretores e amado pelos amigos. Nos últimos dias fora visto sempre frequentando as sessões do festival de documentários É Tudo Verdade.
Em 2011, ele ganhou uma mostra no Itaú Cultural, que apresentou os seus curtas, no Paraná. Coincidentemente, a revista Filme Cultura comentou os trabalhos dos curta-metragens "Lacrimosa", "O Tigre e a Gazela" e Porto de Santos na última edição da revista, disponível online:
Orgulhava-se de ter trabalhado em "Serras da Desordem" (2006), de Andrea Tonacci, como lembra a irmã.  Serras da Desordem talvez seja um dos mais impressionante documentos sobre a situação indígena no País.
Foi diretor de fotografia em "Braços Cruzados-Máquinas Paradas" (1979), "O Homem que Virou Suco" (1981), "Cartola - Música Para o olhos" (2007).
O apuro técnico não o impedia de ser prolífico. Logo após sua morte, amigos e estudiosos puseram-se a fazer um balanço numérico do legado de Raulino. Chegou-se a um número ainda indefinido de mais de cem títulos entre longas, curtas e documentários. "O Coração do Brasil", em cartaz, também leva a sua assinatura. O ainda inédito "Augustas", de Francisco César Filho também. 
Segundo Guga, seu pai era engraçado e dono de um humor inteligente. Não gostava de computador e havia escrito em seu celular um livro de poemas, que pretendia lançar. Vivia andando pela Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo. Na madrugada de quinta (18), foi encontrado caído na rua, Morreu aos 66 anos. A família desconhece  a causa, mas suspeita de uma parada cardíaca. Deixa dois filhos.

Com infos de: Nota do CTR/ECA-USP, Guia kinoforum, Filme Cultura, Folha de SP e coluna do Luiz Zanin do Estadão e do Amir Labaki no Valor Econômico.

O Tigre e a Gazela, de Aloysio Raulino
por Ursula Rösele

A primeira impressão que O Tigre e a Gazela passa é de um apurado uso da estética como potencializador da linguagem. O diretor Aloysio Raulino utiliza-se de diversas imagens da cidade de São Paulo sobrepostas por narrativas do escritor Frantz Fanon, numa espécie de “grito” urbano que percorre um sem-número de pessoas que – ao migrarem para a cidade em busca de melhores condições de vida – viram-se em tristes circunstâncias sociais e econômicas.

O único áudio original que ouvimos é o de uma moradora de rua, que entoa seu canto desafinado com dizeres como “todo negro pode ser doutor”, ou melhor, “todo nêgo pode sê dotô”, num bailado para uma câmera que a registra com carinho e de uma fotografia cuidadosa que estoura propositalmente a luz incidindo sobre nós essa incongruência emanada pelo seu discurso preto-branco. Ao ofuscar as cores reais de seu filme, Raulino discursa esteticamente uma desigualdade social que – através de suas lentes – encontra dificuldade de digladiar com a realidade que se interpõe sobre aqueles corpos.

A junção de suas imagens com a fala de Fanon torna o filme um interessante instrumento de inconformismo com um mundo contraditório que, com o auxílio da arte, pode gritar a voz dos que são “calados” por um silêncio que os oprime. A frase final, “Oh corpo meu, faz de mim um homem que interrogue” vem para coroar essa idéia do cinema como potencializador da fala, da linguagem, da imagem que questiona e não se deixa calar.

Filme Citado:
O Tigre e a Gazela (idem, 1979/Aloysio Raulino)

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