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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Avaeté, Semente da Vingança. Zelito Vianna (Brasil, 1985)


Zelito Viana: Histórias e causos do cinema brasileiro

Irmão de Chico Anysio, José Viana de Oliveira Paiva começou a vida como engenheiro, virou produtor de cinema por acaso e tornou-se diretor. A vida múltipla de Zelito Viana é captada com muito bom humor neste Histórias e Causos do Cinema Brasileiro, escrito por sua filha, a também cineasta Betse de Paula. Família de artistas, já que Zelito, além de irmão de Chico é também é pai do ator Marcos Palmeiras. O livro sai pela Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial, e segue o molde do selo: depoimento em primeira pessoa, perfil autorizado de si mesmo.


Betse, como autora, teve acesso privilegiado ao personagem. Em geral, esses livros são produzidos a partir de uma sequência de entrevistas com o biografado. Sendo filha do personagem, Betse teve a vida toda para conhecê-lo e ir recolhendo seus casos divertidos. Mas não são apenas histórias engraçadas; muito se aprende sobre os bastidores do cinema brasileiro lendo os casos aqui transcritos. Mesmo porque Zelito foi um privilegiado companheiro de estrada dos principais cineastas do Cinema Novo, tido até hoje como o mais importante momento vivido pelo cinema de autor no País.


A aproximação com os jovens fundadores do Cinema Novo se deu graças ao estudo de engenharia, pois Zelito foi colega de um deles, Leon Hirszman. Na escola, um veterano o advertiu: “Toma cuidado com aquele ali porque, além de judeu, é comunista”. Foi o bastante para aproximá-los. Ficaram amigos e fizeram política estudantil. Zelito se formou e foi ser engenheiro metalúrgico. Quando o colocaram no setor de vendas, ficou insatisfeito. Um dia, passou pela rua seu antigo colega Leon, que ele nunca mais vira. Zelito estava a pé, pois havia estacionado o carro em lugar proibido e tivera os quatro pneus furados segundo determinação de um truculento diretor de trânsito daquela época. Pegou carona e contou suas desditas na empresa metalúrgica. Leon perguntou: “Por que você não entra para o cinema?” Foi a senha. Como só sabia fazer contas, Zelito entrou no cinema pela porta da produção. Tinha 26 anos.


Com sócios como Glauber Rocha, Walter Lima Jr., Paulo César Saraceni fundou a Mapa Filmes, empresa que tirou o nome de uma revista na qual Glauber, ainda crítico de cinema, escrevia na Bahia. A Mapa produzia cinema numa época em que não havia leis de incentivo como as de hoje, nem a Embrafilmes havia sido fundada. Era na base do empréstimo bancário e auxílio da CAIC (Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica), do antigo Estado da Guanabara. Para completar o quadro, Zelito fundou, junto com 10 colegas, entre eles Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues e Joaquim Pedro de Andrade, a distribuidora e co-produtora Difilm. Com o esquema montado, tocava-se o negócio do cinema. Com alguns percalços, como o hábito de Ruy Guerra fumar charutos enquanto montava os filmes na moviola, o que provocava eventuais furos no negativo. Glauber gostava de trabalhar nu. Mas, como era sócio da empresa, ninguém o impedia.


O primeiro filme que a Mapa produziu para valer foi A Grande Cidade, de Cacá Diegues. Zelito lembra de incidentes. Othon Bastos, numa crise de estrelismo, resolveu não participar, na véspera do início das filmagens. Foi substituído por um profissionalíssimo Leonardo Vilar, que dirigiu ao produtor uma única frase durante toda a filmagem: “Hoje é meu último dia. Gostaria de receber meu dinheiro no final da tarde.” Zelito virou-se como pôde e pagou. Filme lançado, foram observar a reação da plateia. Chegaram a um cinema enorme, de quatro mil lugares, em Bom Sucesso. Na penumbra, um casal namorando e mais umas três pessoas espalhadas pela sala imensa. “O público sempre foi complicado”, comenta Zelito.


Agruras do cinema nacional, que Zelito acompanhou de perto. Mas também viveu de perto sua aventura e glória. Por exemplo, esteve com Glauber na filmagem de Maranhão 66, institucional encomendado pelo governador do estado da época. Adivinhe quem? José Sarney, claro. Com o roteiro de Terra em Transe já escrito, Glauber achou que o trabalho, além de grana, lhe renderia bom material para o longa de ficção. E foi em frente. Tinha razão: as cenas de multidão de Terra em Transe saíram diretamente das filmagens de Maranhão 66. Mas Sarney, quando viu o copião do institucional, chegou à conclusão de que havia escalado o time errado: “Vocês são muito bons para fazer filme contra. A favor não dá.” Foram demitidos no ato.


Talvez sua grande aventura como produtor tenha sido em Terra em Transe, a obra-prima absoluta do cinema nacional e de percurso acidentado. Como Paulo Autran dava muito palpite, Glauber queria demiti-lo. José Lewgoy não se conformava com as ordens do diretor e vociferava: “Pensa que é Carl Dreyer, que é um Robert Bresson! É um idiota de um baiano, um babaca que fica me dando ordem! Não aguento mais!” E as confusões não pararam por aí. Numa época de censura às artes, Glauber teve de forjar a anuência do Itamaraty para que o filme fosse enviado a Cannes. Concorreu. Perdeu para Blow Up, de Antonioni, o que não é vergonha para ninguém.


Entre as aventuras de Zelito Viana, estão também as que viveu ai dirigir seus próprios filmes. Em Terra dos Índios, queria aprender o que era a realidade indígena. Falou com Darcy Ribeiro, que lhe disse uma frase: “Ninguém visita uma aldeia de índios impunemente”. Sábias palavras,admite Zelito. A armadura que você veste para viver em sociedade pode, de uma hora para outra, ser destruída no contato com a civilização indígena. Os índios passaram a fazer parte da vida de Zelito, a tal ponto que alguns deles foram morar em sua casa, no Rio, e lá ficaram vários meses. Seu filho, Marcos Palmeira, foi mandado para uma aldeia, lá foi adotado e ganhou nome índio. O famoso intercâmbio, que os brasileiros realizam com famílias dos Estados Unidos ou da Europa, Zelito fazia com os Xavantes. Aniceto, o pai adotivo de Marcos Palmeiras quando este tinha 16 anos, revelou suas inquietações a Zelito: “Estou preocupado com o Marquinhos. Ele é grande e não sabe nada…Não sabe andar no mato, não sabe atirar uma flecha…Como é que eu vou ensinar tudo pra ele?”

A temática indígena voltaria anos depois em Avaeté – Semente da Vingança. E mais aventuras. Algumas indesejadas. A equipe construiu uma aldeia cenográfica, para ser incendiada durante a filmagem. E assim foi feito, para fúria dos índios, que exigiram da equipe dois brancos para matar em represália. Tiveram de pedir a intervenção de Dom Thomas Balduíno, o sacerdote benfeitor das aldeias, para que a ameaça não fosse cumprida. E assim a equipe, composta por atores como Renata Sorrah e Hugo Carvana, além dos dois filhos do cineasta, pôde salvar a pele. As aventuras de Zelito prosseguiram com filmes focando vidas ilustres como as de Villa-Lobos e Juscelino Kubitschek. Mas nenhuma delas foi tão intensa quanto a do convívio com os índios.

publicado originalmente em: http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/zelito-viana-historias-e-causos-do-cinema-brasileiro/

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